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terça-feira, 4 de janeiro de 2022

Sermão das Lágrimas de São Pedro - Padre António Vieira

(excertos)

Notável criatura são os olhos! Admirável instrumento da natureza! Prodigioso artifício da Providência! Eles são a primeira origem da culpa, eles a primeira fonte da graça. São os olhos duas víboras metidas em duas covas, em que a tentação pôs o veneno, e a contrição a triaga. São duas setas com que o demónio se arma para nos ferir e perder, e são dois escudos com que Deus, depois de feridos; nos repara para nos salvar. Todos os sentidos do homem têm um só ofício; só os olhos têm dois. O ouvido ouve, o gosto gosta, o olfato cheira, o tato apalpa, só os olhos têm dois ofícios: ver e chorar. Estes serão os dois pólos do nosso discurso.

Ninguém haverá, se tem entendimento, que não deseje saber por que ajuntou a natureza no mesmo instrumento as lágrimas e a vista, e por que uniu na mesma potência o ofício de chorar e o de ver? O ver é a ação mais alegre; o chorar a mais triste. Sem ver, como dizia Tobias, não há gosto, porque o sabor de todos os gostos é o ver (Tob. 5, 12); pelo contrário, o chorar é o estilado da dor, o sangue da alma, a tinta do coração, o fel da vida, o líquido do sentimento. Por que ajuntou logo a natureza nos mesmos olhos dois efeitos tão contrários: ver e chorar? A razão e a experiência é esta: ajuntou a natureza a vista e as lágrimas, porque as lágrimas são conseqüência da vista; ajuntou a Providência o chorar com o ver, porque o ver é a causa do chorar. Sabeis por que choram os olhos? Porque veem. 

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