Na quarta-feira de manhã chegaram as primeiras chuvas. Depois do almoço voltou o sol. Numa rua de Almoçageme um homem disse "que dia bonito: choveu de manhã e de tarde está calor". As pessoas andavam ansiosas: nunca mais vinha a chuva para "levar o pó" acumulado ao longo do Verão. Para todas as plantas que ninguém rega e que dependem apenas do céu foi um banho de felicidade depois de dois meses de secura, seguido por uma secagem soalheira, mais deliciosa por terem as folhas molhadas. Na estrada que vai do Pé da Serra de Sintra à Malveira da Serra, seguindo a costa e as encostas, as ervas e os arbustos cintilavam, verdejantes. Para muitas espécies está a decorrer uma Primavera secreta, paralela ao acastanhamento do Outono. Há flores do fim de setembro, roxas e misteriosas.
terça-feira, 4 de janeiro de 2022
Primavera Secreta - MEC
Fomos à praia. A água estava só um pouco mais quente do que o ar. Vimos três arco-íris no céu. Apesar dos vestígios das barbaridades do Verão, devolvidos pelo vento de Sul, a água estava mais clara e mais leve do que é costume. Era da água doce e novinha lá caída durante a manhã. O oceano tinha sido diluído e adoçado. As duas águas ainda não estavam habituadas uma à outra: ainda estavam a conhecer-se, antes de se misturarem.
Não estava mais ninguém dentro de água. O dia tinha sido classificado "de chuva", só porque tinha chovido de manhã. Mas tornou-se numa boa tarde de praia. As primeiras chuvas são sempre bem-vindas. As outras, que começaram hoje, já não sei.
Miguel Esteves Cardoso, Público, 27 de setembro de 2013
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário