Havia no princípio do mundo uma velhinha muito pobre e muito infeliz: era conhecida pelo nome de Tia Miséria. Só possuía uma casinha arruinada e uma pereira no quintal. Tudo sofria com paciência e resignação, mas só uma coisa não desculpava, nem perdoava: que os meninos da vizinhança subissem na pereira e lhe comessem as peras. Seria capaz de dá-las todas sem provar uma, mas indignava-se contra os que as roubavam.
Uma noite bateu-lhe à porta um pobrezinho, quase morto de fome e pediu-lhe comida e guarida por uma noite. Fazia muito frio e a Tia Miséria acomodou-o perto do fogão e deu-lhe a migalha de pão que reservava para si. No dia seguinte, o pobre despediu-se e disse-lhe que pedisse o que quisesse.- Só peço que as pessoas que subirem à minha pereira não possam descer sem o meu consentimento – respondeu a velhinha.
- Assim será – respondeu o mendigo.
No ano seguinte, quando estavam madurinhas as primeiras peras, Tia Miséria chegou ao quintal e encontrou três garotos em cima da pereira.
- Ó Tia Miséria, perdoe-nos pelo amor de Deus! Tire-nos daqui, que não conseguimos descer.
- Ah, é? Então vocês diziam que não eram os ladrões das minhas peras! Pois tomem isso e mais isso! Disse Tia Miséria, dando uma sova nos meninos com uma vara. Desta vez vou permitir que desçam, mas se voltarem, já sabem: hão de ficar aí por muitos anos!
E os garotos desceram e nunca mais voltaram à pereira.
Até que em uma noite chuvosa, bateram-lhe à porta.
- Já vou, já vou! Gritou Tia Miséria.
Era uma mulher de horrendo aspeto, vestida de negro, com as asas negras nos ombros e nos pés.
- O que... o que... quer? - Perguntou a Tia Miséria a tremer.
- Tenha uma boa e santa noite, Tia Miséria.
- Conhece-me? - Perguntou assombrada.
- Vamos, Tia Miséria. Chegou a sua hora.
Foi então que a Tia Miséria se apercebeu da foice debaixo da capa da estranha criatura. Nesse momento, deu conta de que tinha aberto a porta para a... ela mesma... a MORTE!
- Sou a Morte: venho buscar-te e estou com pressa.
- Já? Não podes ao menos dar-me dar um ano de espera?
- Não pode ser - respondeu a Morte.
- Então faz-me ao menos um último favor: sobe à minha pereira e colhe-me a última pera que me resta. Quero comê-la, visto que é a última. Enquanto isso, vou-me preparando para a partida.
- Tudo bem, mulher, mas despacha-te!
A Morte subiu à pereira, colheu a pera, mas não conseguiu descer. E pôs-se a chamar a velhinha. Esta respondeu: “Tem paciência, maldita, mas aí ficarás por todos os séculos. És má, tens feito muitas desgraças, a roubar muitos pais aos seus filhos pequeninos...”
E a Morte ficou em cima da pereira durante dias, semanas, meses.
- Por onde anda a morte? Perguntavam os velhinhos e os doentes terminais nos hospitais.
Depois de um ano, e depois de muita procura, Tia Miséria apercebeu-se, à frente da sua porta, de um grupo composto por padres que se queixavam de que não havia enterros e de médicos enfurecidos com o pouco profissionalismo da morte: uma coisa era alargar a vida, outra muito diferente era estender a dor. Ali estavam também escrivães e advogados que se lastimavam de não ter trabalho, de donos de funerárias que reclamavam da queda das vendas de caixões; enfim, eram todos aqueles que vivem da morte do próximo. Todos pediam à velha que autorizasse a Morte a descer da pereira, mas a Tia Miséria respondia: “Não quero, não quero e não quero”!
A Morte falou então do alto da pereira e fez um pacto com a velha: se a deixasse descer, pouparia a sua vida enquanto o mundo fosse mundo. A velhinha consentiu e a Morte desceu. Saiu a correr dali com a promessa de nunca mais bater à porta de Tia Miséria. Mas compensou o tempo perdido: nunca morreram tantos em tão pouco tempo.
É por isso que enquanto o mundo for mundo a Miséria existirá sobre a Terra.
Sem comentários:
Enviar um comentário