Etiquetas

terça-feira, 4 de janeiro de 2022

Às vezes depois de - Fernando Lopes

 Às vezes depois de f*


por amor, ela ficava em silêncio com o olhar vago no vazio, fixando um ponto imaginário algures nos tecto, ou podia até ser que a visão trespassasse a laje e se fosse perder no íntimo espaço de que é feito o céu inatingível. E eu pensava que tal absorção ou suspensão se deveria ao orgasmo, ou até não, e que tal estado era de quem o tinha fingido na bela perfeição da ausência de sentimentos.
Também em silêncio, esperava até que ela regressasse à cama, aos lençóis malditos, e depois perguntava-lhe se estava bem. E claro está, que depois de tal frémito no corpo, a boca paralisa e nada diz, porque o coração ainda lhe bate próximo e deixa-a seca e a razão ausente não reclama o seu lugar.
Depois, o pior que podia fazer, com claro instinto malévolo, era perguntar-lhe se estaria a pensar noutro, no grande cabrão da sua vida. Obviamente ofendida, perguntava-me:
— Caramba, Fernando, que mais é preciso para que vejas?
E eu, que sempre admirei uma mulher que se deita com um homem apesar de saber que, secretamente, sente saudades de outro, ficava conjurado à minha sorte de ter nascido com a propensão de não sentir qualquer amor por mim mesmo, e de saber que aquela pergunta não era para ter resposta.
Devagar, roçava o meu rosto no seu peito, procurando a desculpa fácil através do calor do corpo, esse acto enganador e que nunca é suficiente mas que é o mais fácil de se traçar porque se pensa que o corpo consegue exprimir aquilo que as palavras não resgatam.
Ela rolava para cima de mim e perguntava-me: vamos foder outra vez?
E aquilo que eu não dizia, enquanto a beijava por todo o corpo alcançável e puxava-a para mim apertando-lhe as ancas contra mim era:

«Caramba, que mais é preciso para que eu veja?»

Sem comentários:

Enviar um comentário